Filme de Tavares ajuda a desacreditar Historialismo (ler em
tempo) que atribui apenas a brasileiros a reação ao Governo trabalhista
legitimamente eleito
O presidente Lyndon Johnson (D) deu aval para o embaixador
Gordon (E) desestabilizar Goulart e autorizou envio de navios ao Brasil
Saiu no IG reportagem de Raphael Gomide:
Com arquivos e áudios da Casa Branca, filme revela apoio dos
EUA ao golpe de 64
“O Dia que Durou 21 anos” revela conversas de Kennedy e
Lyndon Johnson sobre o Brasil. Embaixador Lincoln Gordon coordenou com governo
e CIA ações de desestabilização de Goulart e o envio de força-tarefa naval para
ajudar conspiradores
O filme “O Dia que Durou 21 anos”, de Camilo Tavares, revela
como os Estados Unidos colaboraram para o golpe militar de 1964, que derrubou o
presidente brasileiro João Goulart, com base em documentos sigilosos de
arquivos norte-americanos e áudios originais da Casa Branca. O documentário,
que será lançado dia 29, apresenta áudios de conversas dos presidentes John F.
Kennedy e Lyndon Johnson com assessores sobre o Brasil e mostra como os
vizinhos do norte apoiaram os conspiradores, com ações de desestabilização e
até militares.
O embaixador dos Estados Unidos no Brasil no início dos anos
1960, o intelectual brasilianista de Harvard Lincoln Gordon, aparece como quase
um vilão, com seus alarmantes telegramas para os presidentes John F. Kennedy e
Lyndon Johnson, em que apontava o risco iminente de o Brasil seguir Cuba em
direção ao comunismo. “Se o Brasil for perdido, não será outra Cuba, mas outra
China, em nosso hemisfério ocidental.” No contexto da Guerra Fria da época,
pouco após Cuba se tornar socialista, esse era o pior pesadelo dos americanos.
Em conversa com Kennedy, cujo áudio é reproduzido, Gordon
avalia que o presidente brasileiro poderia ser um “ditador populista”, nos
moldes do argentino Juan Perón. Em novembro de 1963, Lyndon Johnson afirma que
não vai “permitir o estabelecimento de outro governo comunista no hemisfério
ocidental”.
EUA bancaram ações de propaganda e desestabilização do
governo Goulart
João Goulart ao lado de um de seus algozes, o embaixador
Lincoln Gordon
O documentário mostra, então, as ações de propaganda dos
EUA, coordenadas por Gordon, para desestabilizar o governo brasileiro. Cita a
criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa anti-Goulart, como
o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250
candidatos a deputados, oito a governador e 600 a deputado estadual no País.
Além disso, o estímulo de greves e artigos na imprensa contra o governo eram o
“feijão com arroz” de “ações encobertas” da CIA (Agência Central de
Inteligência) onde pretendia derrubar regimes, como explica o coordenador do
Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.
Em telegrama para Washington, Gordon admite: “Estamos
tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra
Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para
encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa
e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Entrevistado, o assessor de Gordon
na embaixada, Robert Bentley, não nega o financiamento americano, apenas sorri,
cala e diz: “Isso era uma polêmica quando cheguei [ao Brasil].”
O filme reitera ainda a importância do adido militar da
embaixada Vernon Walters, amigo de oficiais brasileiros desde a 2ª Guerra
Mundial, como o general Castelo Branco, que viriam a ser fundamentais na
derrubada de Goulart. Cabia a Walters identificar insatisfeitos entre
militares. O oficial descreve Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do
Exército, como “altamente competente, oficial respeitado, católico devotado e
admira papel dos EUA como defensores da liberdade”. Segundo Bentley, “havia
muita confiança em Castelo Branco”, o “homem para sanear a situação, do ponto
de vista dos interesses americanos”.
Força-tarefa naval para apoiar o golpe pedido de ajuda de
militares brasileiros
Força-tarefa naval, com porta-aviões, foi autorizada a ser
enviada ao Brasil para apoiar o golpe de 64
Quando a situação esquenta, os EUA concordam em mandar
navios de guerra para a costa brasileira, na chamada Operação Brother Sam, com
o objetivo de intimidar e dissuadir o governo de resistir ao golpe. O
presidente norte-americano autoriza, em áudio, a fazer “tudo o que precisarmos
fazer. Vamos pôr nosso pescoço para fora (nos arriscar).”
Um telegrama do Departamento de Estado dos EUA para Gordon
descreve as medidas tomadas para “estar em posição de dar assistência no
momento adequado a forças anti-Goulart, se decidido que isso seja feito”. A
operação Brother Sam incluía enviar “uma força-tarefa naval, com um
porta-aviões, quatro destróieres (contratorpedeiros) e navios-tanques para
exercícios ostensivos na costa do Brasil”, além de 110 toneladas de munição e
outros equipamentos leves, incluindo gás lacrimogêneo, para controle de
distúrbios por avião.
Um telegrama “top secret” da CIA, de 30 de março – véspera
da eclosão do movimento – mostra como os americanos estavam bem informados e
articulados com os conspiradores. No documento intitulado “Planos de
Revolucionários em Minas Gerais”, os espiões dizem que “Goulart deve ser
removido imediatamente. Os governadores de São Paulo e Minas Gerais chegaram
definitivamente a um acordo. A ignição será uma revolta militar liderada pelo
general Mourão Filho. As tropas vão marchar para o Rio de Janeiro.”
Documento assinado pelo secretário de Estado dos EUA, Dean
Rusk confirma que os golpistas pediram apoio militar aos EUA. “Pela primeira
vez, os golpistas brasileiros pediram se a Marinha americana poderia chegar
rapidamente à costa sul brasileira.” Para o professor de História da UFRJ
Carlos Fico, a retaguarda da Brother Sam foi fundamental para dar segurança aos
militares que derrubariam o regime. Apesar dos documentos e de forma pouco
convincente, o diplomata Bentley, nega ter ouvido falar na operação.
Newton Cruz: “Toda revolução, para começar, tem um maluco. O
Mourão saiu!”
João Goulart, no comício da Central do Brasil, às vésperas
de ser deposto
O filme tem ainda momentos engraçados. “Toda revolução, para
começar, tem um maluco. O Mourão [general Olympio Mourão Filho, que liderou as
tropas de Juiz de Fora em direção ao Rio] saiu!”, ri o general Newton Cruz,
ex-chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações). A filha do general Mourão
Filho, Laurita Mourão, diz que o pai chamou de “covarde” Castelo Branco, o
primeiro presidente militar após o movimento, ao ser criticado por suposta
precipitação ao mover tropas em direção ao Rio. “Castelo Branco, você é um medroso,
é um…” Nas palavras da filha, ele também “foi entregar a Revolução a Costa e
Silva [posteriormente também presidente do regime], que estava dormindo, de
cuecas.”
Após o sucesso da iniciativa, Gordon escreve aos EUA. “Tenho
o enorme prazer de dizer que a eliminação de Goulart representa uma grande
vitória para o mundo livre”. Robert Bentley conta que participou, no gabinete
vazio de Goulart, de reunião sobre a posse do novo regime em que estava o
presidente do Supremo Tribunal Federal. Ao telefone para o embaixador, foi
perguntado se a posse do novo regime tinha sido legal, e respondeu: “’Parece
que foi legal, não sei dizer’. Acordei 12h depois e [os EUA] tinham reconhecido
o governo.”
“Acho que há certas pessoas que precisam ser presas mesmo”,
disse Lyndon Johnson
Filme estreia dia 29
Poucos dias após o golpe, em um interessante áudio, o
presidente Johnson debate com o assessor de Segurança McGeorge Bundy o tom da
mensagem para o novo presidente do Brasil.
- Há uma diferença entre Gordon, que quer ser muito
caloroso, e nossa visão da Casa Branca, de que o sr. deveria ser um pouco
cauteloso, porque estão prendendo um monte de gente.
- Eu acho que há certas pessoas que precisam ser presas
mesmo. Não vou fazer nenhuma cruzada contra eles, mas eu não quero… Eu gostaria
que tivessem colocado alguns na prisão alguns antes que Cuba fosse tomada –
responde Johnson.
- Uma mensagem mais rotineira seria desejável neste momento.
- Eu seria um pouco caloroso – diz o presidente.
- É mesmo? Isso vai ser publicado.
- Eu sei, mas eu estou me lixando!, finaliza o presidente.
Juracy Magalhães: “O que é bom para os EUA é bom para o
Brasil”
O filme avança, mostrando o Ato Institucional nº 1, que
cassa os direitos políticos e mandatos de parlamentares e de militares. Um
deputado chora sobre a mesa, na Câmara. E lembra, para ilustrar a proximidade
do regime militar brasileiro com os EUA, a célebre frase que marcou o militar
Juracy Magalhães, embaixador do Brasil em Washington: “O que é bom para os EUA
é bom para o Brasil”.
Projeto familiar
Kennedy recebe o embaixador no Brasil, Gordon
O documentário é também um projeto familiar e uma homenagem
do diretor, Camilo Tavares, ao pai, o jornalista e ativista político Flávio
Tavares – um dos 15 presos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick,
sequestrado no Rio em 1969.
Flávio aparece na famosa foto dos presos (abaixo) diante do
avião que os levaria ao exílio, no México – onde o diretor nasceria, em 71 –, e
em um flash rápido, em lista de “procurados”, com o nome de Flávio Aristides. É
também Flávio Tavares quem faz as entrevistas, ficando frente a frente com
ex-adversários, o diplomata Bentley e Jarbas Passarinho, ministro que assinou
sua extradição. A mulher de Camilo, Karla Ladeia, é produtora-executiva.
Para o embaixador Elbrick, seu sequestro foi uma tentativa
de “constranger os governos brasileiro e norte-americano”. Mas há outros
momentos de constrangimento americano no filme. Após aparecer a foto de um
homem pendurado em um pau-de-arara, Bentley é questionado sobre as violações a
direitos humanos. “É difícil de justificar oficialmente. Mas lamento… lamento
(ri), de qualquer maneira.” À época, entretanto, as mensagens internas do
governo americano pregavam a discrição. “Embora não busquemos justificar atos
extra-legais ou excessos do governo, concluí que nossa melhor decisão é nos
aproximarmos ao máximo do silêncio de ouro”, recomenda Gordon.
O filme surpreende ainda com depoimentos inusitados e
críticos de protagonistas do regime, como o general Newton Cruz, chefe do SNI.
“Quando a Revolução nasceu era para fazer uma arrumação da casa. Ninguém passa
20 anjos para arrumar a casa!”
O filme conclui com uma frase ácida do coordenador do
Arquivo de Segurança Nacional, o norte-americano Peter Kornbluh. “Tudo isso foi
feito em nome da democracia, supostamente.”
Presos libertados pelo sequestro do embaixador Charles
Elbrick, dos EUA. Flávio Tavares, pai do diretor, é o primeiro à direita,
agachado
Em tempo: ” historialismo ” nao é História nem Jornalismo –
PHA
http://www.tabiranoticias.com.br
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